31 julho 2011

Dojo e Capoeira 3 - o caminho do principiante



Na semana passada, falei do ciclo Comprometimento <=> Reconhecimento que mantém vivas as iniciativas que vão pra frente. Hoje pretendo falar um pouco mais sobre o desequilíbrio que existe na sociedade do Dojo, relacionado a essa fórmula. Pretendo também apresentar outro ponto de vista que faz parte desse cenário: o de que devemos participar dos Dojos sem esperar nada em troca, pelo simples fato de participar - deliberadamente. Assim, explicitar e reforçar esse equilíbrio talvez não seja benéfico para a prática do Dojo!
Creio que essa fórmula Comprometimento <=> Reconhecimento valha em qualquer cultura, mas na nossa sociedade ocidental, materialista, ela costuma se manifestar de forma especialmente explícita e imediata. A criança precisa ganhar um chocolate porque arrumou o quarto e o funcionário precisa ganhar um aumento rapidamente em troca de uma iniciativa importante que teve no trabalho. O retorno precisa ser rápido e explícito. É a forma como nossa cultura nos ensina.
Vejo vários grupos que acham a idéia do Dojo linda, se motivam, criam uma lista, realizam alguns encontros, e algumas semanas depois a iniciativa vai perdendo adeptos, perdendo energia, e aí morre. Estou devendo pro Henrique uma pesquisa nas listas de Dojo brasileiras sobre o tempo médio de permanência das pessoas nas reuniões de Dojo. Acho que deve ser bem pequeno... Imagino umas 3 ou 4 sessões semanais, no máximo!

Mestre Valdemar da Paixão
Minha hipótese é a de que a sociedade do Dojo está sentindo falta de reconhecimento, pra balancear a mistura. Um sinal muito claro disso é o fato de que as pessoas simplesmente a-do-ram colocar fotos nos blogs e tuitar quando vão a reuniões de Dojos. Assim como o que as pessoas fazem depois de assistirem a um cursinho de Scrum, chegar na empresa e pregar o kanban na parede: a primeira coisa a fazer depois de grudar os post-its, invariavelmente, é tirar uma foto e postar no blog. Por quê? Na minha opinião, as pessoas estão procurando (pedindo!) um retorno pela pequena conquista que tiveram. E nesse caso, assim como no do cara aprendendo a tocar violão, se o feedback positivo não vier (um comentário, um elogio) a iniciativa acaba morrendo...

Esse pensamento não tem absolutamente nada a ver com a ética do caminho do principante, da arte Zen, ou com outras manifestações culturais em que o importante não é a chegada, mas o caminho! É um pensamento muito nobre e bonito, que reconhecemos imediatamente como bom, e que tentamos importar pra nosssa cultura algumas vezes. É o que nos foi apresentado desde meninos em filmes como Karatê-Kid. "Daniel San, lixa o assoalho! Pinta a cerca!" Não importa o objetivo. O ponto não é a cerca pintada. Não se preocupe com o objetivo final, concentre-se no caminho que o resto acontecerá.

Mas ainda que reconheçamos a qualidade dessa ideologia, vivemos impregnados e imersos com os valores de nossa cultura. As pessoas acham linda a idéia do Dojo. Mas quando chega a hora H, depois do trabalho, o cara prefere ir ao cinema. O mesmo não acontece com a pós-graduação, que é paga e tem um diploma no final. (Perceba que o Dojo nem ao menos tem um final definido! São lógicas que não se encaixam uma na outra, pelo menos a princípio.)

Roda do Mestre Valdemar
Entendo perfeitamente (e concordo) que criar mecanismos e símbolos 'ocidentais' de recompensa para uma prática como o Dojo, guiada muito mais pelos princípios do caminho do aprendiz que pela lógica do toma-lá-da-cá, vai trazer invariavelmente algumas consequências e efeitos colaterais negativos. Mas no fim das contas, creio que seja apenas uma questão de escolhas. Acho que se nada for feito, ou os Dojos desaparecem, ou se popularizam em decorrência de alguma certificação idiota que estraga completamente a idéia original. Acho que se tomarmos as rédeas da coisa a tempo, podemos tentar ajudar a achar um ponto de equilíbrio entre esses dois fins, em que o Dojo não precise ser completamente "desocidentalizado" e puro, e nem totalmente prostituído e corrompido.

No próximo post dessa série, pretendo elaborar melhor esse ponto da dicotomia entre o popularizar e o preservar (o que gosto de chamar de "o dilema do turista"). É onde quero criar o gancho com a história da capoeira, que passou por um processo bastante semelhante, no meu ponto de vista.

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