21 agosto 2011

Dojo e Capoeira 4 - O dilema do turista



Esse é o 4o post da série onde tento relacionar os grupos de Coding-Dojo com a lógica histórica social dos grupos de capoeira. Nos posts anteriores, falamos sobre as motivações que as pessoas têm para se dedicarem aos grupos. Desta vez, vamos começar a falar sobre a dicotomia e a aparente contradição que existe entre a popularização e a preservação.

O turista é uma figura que vive uma contradição interessante. Ao mesmo tempo em que ama e cultua o lugar que visita, acaba sem querer ajudando a destrui-lo. O mesmo sujeito que reclama da praia cheia de turistas - aquela que não é mais o paraíso perdido de quando ele a conheceu pela primeira vez - esse mesmo sujeito acaba fazendo parte da legião de farofeiros, ainda que não goste de reconhecer. As pessoas adoram uma cachoeira vazia, mas não se contêm em anunciar aos amigos que eles "precisam que conhecer [aquele lugar], antes que acabe!" E quanto mais gente vai, mais rápido o lugar se acaba!



Roda de Capoeira Angola
(mestre João Grande - NY)

Pense num pequeno restaurante, cheio de capricho, com atendimento personalizado, música boa, ambiente agradável... O dono logicamente adoraria popularizar seu restaurante, ampliar e ganhar um pouco mais. Afinal de contas, ele merece um reconhecimento por seu esforço de manter um bom restaurante. Mas o que acontece quando ele aluga a loja ao lado, dobra o tamanho do salão e contrata mais garçons e cozinheiros? Perde-se boa parte da qualidade que diferenciava o lugar e o restaurante se acaba!

É como se essas coisas lindas tivessem dentro de si a semente de sua própria destruição. Será uma característica inerente do ser humano, esse estilo gafanhoto de destruir tudo o que toca? Não creio...

O dilema que vivemos no contexto do Dojo é parecido, na minha opinião. E é justamente aqui que começo a fazer o gancho com a história da Capoeira. Devemos desenvolver mecanismos para popularizar e fortalecer a prática, ou devemos ser cuidadosos e preserva-la pura, intacta?

A Capoeira viveu (e ainda vive!) um dilema histórico que acho bastante relacionado. Hoje a maioria das pessoas divide a Capoeira em dois grandes estilos: Angola e Regional. O surgimento nos anos 30 da luta regional baiana, ou Capoeira Regional, foi resultado de um projeto de um homem: Manoel dos Reis Machado - o Mestre Bimba. A Capoeira Angola surge alguns anos depois como movimento de resgate da tradição, opondo-se à 'modernização' da Regional.

Roda de Capoeira Regional

Bimba inseriu na Capoeira elementos de outras lutas, tornando-a mais agressiva, e incorporando simbolismos ocidentais que aproximaram a cultura 'de rua' (negra, africana, pobre, marginalizada), de uma camada da sociedade branca (rica, institucionalista). 

Para os olhos de muitos, esse processo representou uma deturpação irreversível da Capoeira. Para outros, é bem possível que a nossa arte-luta não tivesse sobrevivido (como aconteceu outras manifestações 'irmãs') à repressão social histórica que chegou a se manifestar na proibição explícita de sua prática no final do século XIX.

Será que a articulação de Bimba deturpou definitivamente nossa arte luta, ou terá sido um elemento indispensável de fortalecimento e preservação da Capoeira? No próximo post vou elaborar melhor esse conflito, seus resultados, e discutir o que podemos tirar de aprendizado dele para o contexto da organização social dos grupos de Dojo.

Continue lendo a próxima parte >>

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